- [Artigo para o público em geral]
- Para um filósofo todas notícias são fofocas, e quem as lê e as edita são mulheres velhas durante o chá. Henry Thoreau.
- Toda literatura é fofoca . Truman Capote
- A coqueluche do momento é dizer que o fake news não é só uma praga, por conta do número, mas uma praga eficaz por conta de que a mentira é mais fácil de ser absorvida que a verdade, e se espalha mais depressa. Sociólogos e psicólogos querem mostrar o quanto isso é novo e perigoso. Jornalistas querem mostrar o quanto isso nos leva de volta a só confiar em órgãos tradicionais de informação. Palestrantes aproveitam para falar da “era da pós-verdade”, e até arriscam escrever livros sobre o assunto. O senso comum, no qual eles chafurdam, fala em “natural curiosidade humana”. Nunca vi tanto fake news sobre fake news. Que boataria!
- Já passou da hora de ficarmos espantados com fake news, como se fosse novidade. E mais ainda: tomar isso como o caos do mundo contemporâneo e até inventar um “conceito” chamado de “pós-verdade” para tal denota ignorância. Se a filosofia vai se debruçar sobre o assunto, é bom quer traga hipóteses, para diminuir o auê de chilique que tomou conta do baixo clero.
- Não é difícil analisar as mentiras no campo da informação em diversos percursos históricos. Sabemos que a mentira bem contada é aquela que é dita em forma de segredo. O status de verdade, o que se chama a Verdade, é sempre algo da revelação para alguns. Tanto a religião quanto a ciência se valem desse status para se porem na ordem do dia dos transeuntes urbanos. Um mentira que possa ser transmitida como se fosse a contragosto, mantendo-se como segredo revelado, recebe o manto sagrado da Verdade e tem uma vantagem a mais, pode ampliar o elemento fantasioso de quase toda informação exatamente para qualificar sua condição de segredo. O segredo da coisa toda é que ela é contada como segredo!
- É necessário jamais esquecer a observação do sociólogo Simmel: “o segredo põe barreiras entre os homens, mas ao mesmo tempo oferece a sedução da quebra de barreiras por meio da confissão e da fofoca”.
- Quando Moisés encontrou o arbusto ardente em fogo e que nunca se consumia, recebeu a palavra Daquele-Que-É como sendo um segredo. Nunca se viu o rosto de Deus! Nas vezes que conversou de novo com Deus, este o recebia de costas – uma posição típica de quem vai fazer revelações, contar segredos, fazer fofoca. A voz vem de todo lugar, mas se vem com o rosto, sai da boca, é unidirecional, perde-se na objetividade. Assim, se havia o que ser absorvido e contado da fala de Deus, ela não apareceu para muitos, mas somente para Moisés, e mantendo-se sempre na estrutura do segredo. Além disso, foi dado a ele, Moisés, para além do que deveria ser contado, a ideia de que ele sabia mais do que foi contado, caso contrário o que foi contado no teria eficácia. O mistério é irmão gêmeo do segredo, e ambos são parteiros da verdade e parteiros da estrutura da verdade que dá status à mentira. O segredo cria uma topologia do poder que, por sua vez, potencializa a disseminação do segredo. Nesse sentido, Deus foi o primeiro e maior marketeiro da história. Não à toa a Bíblia, até hoje, é de longe o livro mais vendido no Ocidente. Não é a verdade e a mentira que fazem sucesso, mas a ideia de que o livro tem mistério e conta um segredo de como se salvar. A medicina dos pajés de todos os tempos sempre foram usadas assim. Pajé é um animal que fala baixo, ao pé do ouvido, sempre em posição da fofoca.
- A comunicação feita por comunicólogos bons sabe disso. Sabe que o segredo é o sucesso da fofoca, e que se há fake news ganhando de truth news é por causa de que o segundo é contado como notícia, e o primeiro é contado como a verdade era contada, isto é, como segredo. O meio chamado fofoca, por ele próprio, carrega a aura de segredo. Tudo que feito em ritmo de fofoca vai longe, e vai rápido – mesmo sem Internet. Aliás, a Internet não faz diferente. Ela produz fake news aos borbotões e é bem sucessidade porque conta de forma nada secreta algo que se apresenta como uma fofoca de um segredo. Todo fake news guarda a ideia de que traz para o leitor alguma coisa que os meios tradicionais de informação, a imprensa profissional e a escola, ou não sabem ou, melhor ainda, escondem. Não à toa o fake news pega primeiro, sempre, os menos inteligentes, os que são propensos a cair em teorias da conspiração e coisas do tipo. São os desescolarizados ou os amantes do autodidatismo ou os que atacam a rede Globo (ou a TV em geral, em outros lugares), são as verdadeiras mulheres na hora do chá, de Henry Thoreau.
- Podemos levantar outras hipóteses, mas esta minha não deixa de ser uma que merece estar na mesa de observação. Eu poderia contá-la como um segredo, fazendo fofoca, mas trairia a filosofia. A filosofia é arte que vai no sentido contrário do que fazem os marketeiros e palestrantes. Ela não tem segredos a mais do que já tentou ter, nem quer participar da fofoca.
- Paulo Ghiraldelli Jr., 60, filósofo.