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From Paulo Ghiraldelli, 3 Years ago, written in Plain Text.
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  1. [Artigo escrito para o público em geral]
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  3. Uma sociedade capitalista onde só existem patrões é uma sociedade não capitalista. Sendo assim, qualquer doutrina que diga que você pode ser patrão, ou  um empresário, não é nada senão ideologia. E das mais fracas. Ensinar ser empreendedor é uma boca coisa, ensinar empreendedorismo é uma bobagem sem tamanho.
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  5. O filósofo germano coreano Byung Chul Han sabe bem disso: seus livros têm denunciado o quanto nossa sociedade se tornou não mais só a do capitalismo que explora a força de trabalho do outro, mas o regime que nos faz todos, pela busca incessante de positividade, a explorarmos a nós mesmos ao máximo.
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  7. Um empreendedor lembra o homem do Renascimento e início da Modernidade. Gente que descobriu potencialidades humanas que poderiam se desenvolver a partir da capacidade de iniciativa. Não à toa, essa foi a época da formulação do conceito moderno de subjetividade, a pessoa sabedora e consciente de seus pensamentos, responsável pelos seus atos e capaz de auto-justificação para se colocar em ação. Se isso se casou com a figura do empresário em determinado momento, de fato foi uma questão de história e destino. Max Weber mostrou como isso se deu. Mas dizer que podemos educar as pessoas para sair da característica do empreendedor para que cada um tenha “o seu negócio” nada mais tem a ver com o que se pode dizer de razoável. Era uma ideologia já meio tola quando Marx criou elementos para denunciá-la, agora é um pastiche de ideologia. É um tipo de pega-trouxa.
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  9. O empreendedorismo mostra técnicas que misturam alguma coisa racional com uma parte grande de besteirol: auto-ajuda, “pensamento positivo” e frases de uso de coaching que coacher profissional sabe que nada vale. É dirigido não ao filho do rico, que sendo empreendedor ou não vai herdar uma empresa e vai ser empresário – e no Brasil vai chorar para que o Estado o ajude, ou o corrompa (Viva o Deus BNDES). O empreendedorismo é dirigido ao filho do pobre que beira a ser classe média baixa, que imagina que sendo patrão de si mesmo vai ser mais do que o operário. Não vai. O salário de um operário qualificado de uma multinacional sempre será maior. O empreendedorismo é, na verdade, dirigido ao tipo meio bolsonarista, que põe no Facebook que ele é “autônomo” quando, na verdade, ele é apenas desempregado, desescolarizado, fujão, fracassado. Vai ter sucesso, sim, se montar uma igreja. O instrumento básico de lavagem de dinheiro do tráfico e corrupções. Vai ter sucesso, sim, mas com vida curtíssima, se usar dessas técnicas – ajudadas por um ímpeto violento – para ser chefe de gang de tráfico. Fora isso, não vale nada. Mas, enfim, para isso, não é necessário nada mesmo, apenas o velho e bom destino que cria bandido.
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  11. As matérias tradicionais, inclusive sociologia e filosofia, na escola básica, bem ensinadas, criam uma pessoa intelectualmente capaz de ser empreendedora. Técnicas de empreendedorismo criam um rapaz que não sabe nadinha de útil na sociedade, a não ser a ideia mentirosa de que ele só aprendeu o “útil para a vida”. A ânsia de educadores e políticos no sentido de fazer a escola ensinar algo “útil para a vida”, que não o é o ensino “desinteressado” e propedêutico à universidade, é sempre uma sugestão para o filho do outro. As próprias elites, quando têm alguma cabeça boa, querem mesmo é que seus filhos saibam fazer uma boa redação e se preparem para ser intelectuais a partir da profissionalização universitária.
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  13. A escola técnica ou a escola do empreendedorismo é sempre a escola do filho do outro. Nenhum político ou educador que não seja um energúmeno quer que seu próprio filho não aprenda o que há de tradicional nos cursinhos pré-vestibulares. Querem que o filho saiba resolver uma equação de segundo grau e achar seu ponto crítico e querem que saiba o Machado de Assis que, por sua vez, leu Schopenhauer. Pode ser que no Brasil já estejamos vivendo em um lugar que até pais de elites já não saiba o que é isso. Mas há muitos que sabem bem do que estou falando.
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  15. Talvez num futuro próximo encontremos escolas falando de “empreendedorismo”, “programação neurolinguística”, “neurociência” e “física quântica aplica a trabalhos de economia doméstica”, isso sem contar com doses homeopáticas de “educação sexual para a saúde”. Após isso, à tarde, academia! À noite, a Ilha dos Meninos que se Transformam em Asnos, do conto de Collodi, o Pinóquio.
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  17. Paulo Ghiraldelli Jr.